O que é ADI, o que é RE e por que a ADI 2111 não pode retirar direitos do Tema 1102 sem modulação
Quando o assunto é STF, aposentadoria e Revisão da Vida Toda, surgem termos que parecem complicados: ADI, RE, controle concentrado, controle difuso, ex nunc, modulação de efeitos.
Eles não são apenas palavras difíceis. São ferramentas jurídicas que definem quem mantém direitos e quem pode perdê-los.
Antes de qualquer conclusão precipitada, é essencial entender como cada tipo de processo funciona.
O que é ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
A ADI é um processo que nasce diretamente no Supremo Tribunal Federal. Ela não começa com um aposentado na Justiça, não passa por juiz federal e não sobe por recurso. Ela já começa “no topo”.
A base constitucional da ADI está no artigo 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal, que diz:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
Ou seja: a ADI existe para o STF analisar se uma lei é compatível com a Constituição, em tese.
Ela também é regulada pela Lei nº 9.868/1999, que trata do chamado controle concentrado de constitucionalidade.
O que significa “controle concentrado”?
Controle concentrado significa que:
- a discussão fica concentrada em um único tribunal (o STF);
- o processo não analisa casos individuais;
- o STF olha para a lei “no papel”, de forma abstrata.
👉 Exemplo simples:
É como se o STF estivesse analisando o manual de instruções de uma máquina, e não uma máquina específica que já está funcionando na casa de alguém.
A ADI não pergunta:
- quanto João vai receber;
- se Maria já ganhou na Justiça;
- se alguém entrou com ação.
Ela pergunta apenas: essa lei pode existir do jeito que está?
O que é RE – Recurso Extraordinário
O Recurso Extraordinário (RE) é completamente diferente.
Ele nasce em um caso concreto, com uma pessoa real, um processo real e um problema real. Começa assim:
- o aposentado entra com ação na primeira instância;
- o processo passa pelo Tribunal Regional Federal;
- só depois pode chegar ao STF, se houver matéria constitucional relevante.
A base do RE está no artigo 102, inciso III, da Constituição Federal, que diz:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal:
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
O RE também é regulado pelo Código de Processo Civil, especialmente pelos artigos 1.029 a 1.041.
O que significa “controle difuso”?
O RE faz parte do chamado controle difuso de constitucionalidade.
Controle difuso significa que:
- a discussão nasce espalhada, em processos individuais;
- qualquer juiz pode analisar a Constituição naquele caso;
- o STF entra apenas no final, para dar a palavra final.
👉 Exemplo simples:
Se a ADI é o STF olhando o manual da máquina, o RE é o STF analisando uma máquina específica que já está funcionando, que já produziu efeitos e que pertence a alguém.
A diferença essencial entre ADI e RE
De forma direta:
- ADI
- nasce no STF;
- discute a lei em tese;
- não analisa pessoas específicas.
- RE
- nasce na primeira instância;
- discute um caso concreto;
- envolve direitos individuais e valores reais.
Essa diferença é crucial para entender por que uma ADI não pode simplesmente apagar os efeitos de um RE já julgado, especialmente quando pessoas confiaram naquela decisão.
O Tema 1102 e o RE da Revisão da Vida Toda
O Tema 1102 nasceu do RE 1.276.977.
Ou seja: nasceu de um processo real, de um segurado real, que discutia o cálculo da própria aposentadoria.
Nesse julgamento, o STF reconheceu que o segurado pode optar pela regra mais favorável, com base em princípios constitucionais como:
- contributividade;
- isonomia;
- segurança jurídica;
- proteção da confiança.
A partir disso:
- milhares de aposentados entraram com ação;
- decisões foram proferidas;
- expectativas legítimas foram criadas.
O que é a ADI 2111
A ADI 2111 discute a constitucionalidade da Lei nº 9.876/1999, especialmente a regra que limitou o cálculo das aposentadorias.
Ela não analisa:
- processos individuais;
- ações já ajuizadas;
- decisões transitadas em julgado.
Ela analisa apenas a lei em abstrato.
Por isso surge a pergunta central:
👉 uma ADI posterior pode retirar direitos reconhecidos em um RE anterior?
E se o STF entender que a ADI interfere no Tema 1102?
Mesmo nesse cenário, existe um limite jurídico claro: os efeitos precisam ser modulados.
Aqui entra um artigo fundamental da lei.
O que diz a lei sobre modulação de efeitos
O artigo 27 da Lei nº 9.868/1999 estabelece:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no todo ou em parte, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Esse artigo existe exatamente para evitar injustiças.
O que significa “ex nunc”
Ex nunc é uma expressão em latim que significa: “daqui para frente”.
Quando o STF decide com efeitos ex nunc, ele está dizendo:
- o que foi decidido vale a partir de agora;
- o que aconteceu antes fica preservado.
👉 Exemplo simples:
É como mudar a regra do jogo no intervalo, e não anular os gols que já foram feitos no primeiro tempo.
O que é modulação de efeitos
A modulação de efeitos é o instrumento que permite ao STF:
- escolher quando a decisão começa a valer;
- definir quem será atingido;
- proteger situações já consolidadas.
No caso da Revisão da Vida Toda, a modulação pode:
- proteger quem já entrou com ação;
- preservar decisões definitivas;
- evitar que aposentados sejam punidos por confiar no Judiciário.
Conclusão
ADI e RE são ferramentas diferentes, com funções diferentes.
A ADI 2111 analisa a lei em tese.
O Tema 1102 nasceu de casos reais, com aposentados reais.
Se houver qualquer interferência, a Constituição e a própria lei exigem modulação de efeitos, com aplicação ex nunc, para preservar a segurança jurídica e a confiança de quem buscou a Justiça.
Isso não é favor.
É técnica jurídica.
É respeito ao cidadão.
É o mínimo que se espera de um Estado de Direito.
